não sei de mim.

estou de malas feitas. não levo nem roupa nem jóias. levo o coração, a alma e a saudade. o corpo fica: não é meu. emprestaram-mo faz vinte anos e está na hora de o devolver. mas o amor que tenho, que tive, que trago, esse deixem-mo. deixem-me esses amores que me fizeram tanto sorrir, esses amores que tanto me fizeram chorar. deixem-me a saudade de uma infância inocente e intocável, deixem-me a culpa de não ter feito nem mais nem melhor. não me roubem as memórias de cada beijo, de cada abraço, de cada palavra de carinho que me fez voar acima de todo e qualquer céu. não toquem em mim, que já não estou para ninguém. não me roubem aquilo que por certo sei que foi só meu.
a vida é tão curta - sempre me avisaram! e passa tão a voar. e eu não voei com ela: que estúpida fui! gostava de ter ido a sítios que não sei onde ficam, ter feito o que não julgava possível, ter conhecido quem nunca sequer vi. quem me dera ser Pessoa, para ter em mim todos os sonhos do mundo. mas não sou e não tenho. gostava de ter sido alguém que não sou, e que já não vou a tempo de ser.
não sei se me perdi no tempo, se o tempo se perdeu em mim, ou se alguém me escondeu o tempo. a verdade é que a vida não é o que se espera, não é o que ser quer nem o que se sonha. mas o tempo é muito, é tanto. e eu já gastei demasiado tempo a esta tão vasta e triste vida.
estou de malas feitas. não levo roupa nem jóias. vou eu, comigo e sem mim - porque já nem sei quem sou nem onde estou.

2 Crimes sentidos:

♥ marta. disse...

mari, que saudades, mas tão grandes de te ler!

Bárbara disse...

Adorei o texto. foi simplesmente incrível!

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